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Num caso clássico da crônica policial do Rio de Janeiro, Hélio Ribeiro tinha 47 anos quando decidiu fixar um toldo no terraço de casa, no Morro do Andaraí. Numa manhã de maio de 2010, o fiscal de supermercados pegou a furadeira elétrica e pediu à mulher, Regina Célia, que segurasse a escada. No mesmo dia, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) fez uma incursão na comunidade contra o tráfico de drogas. Ao vê-lo com a ferramenta, o cabo Leonardo Albarello deu ordem para Hélio baixar a "arma", segundo a versão da Polícia Militar. Devido ao barulho da furadeira verde (que seria comparada depois a uma submetralhadora preta), o comando não foi ouvido. Na confusão, um tiro de fuzil 762 acertou Hélio --branco e casado-- no peito.

O julgamento de Albarello durou dois anos, e o principal argumento em sua defesa foi o de ter "falsa representação da realidade" enquanto protegia os colegas de operação. A acusação de homicídio doloso foi rechaçada, os bons antecedentes pesaram e ele foi inocentado. Restou a Regina Célia engolir a perda em seco e aceitar uma pensão mensal até 2033, decretada pelo governador Sérgio Cabral, hoje preso por corrupção.
Casos como esse não são únicos. Mais recentemente, a PM do Rio alvejou inocentes ao confundir com armas um macaco hidráulico (dois mortos na Pavuna) e até mesmo um skate (um ferido no Alto Leblon). O que há em comum em todos esses casos é a ideia de que o PM atua sob forte emoção numa cidade violenta

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O candidato Jair Bolsonaro (PSL) frequentemente traz a público a expressão "excludente de ilicitude" para explicar sua política de segurança pública. A expressão existe no Código Penal e inocenta aquilo que, embora tenha a aparência de crime, não é ilícito: abarca tanto a legítima defesa do cidadão comum quanto o exercício da profissão policial. Na boca de Bolsonaro, a ideia à venda é a de uma "carta branca" para que os policiais matem durante operações, sem se embaraçar com julgamentos.

É um discurso de grande apelo. Na última década, pesquisas de opinião mostraram que metade dos brasileiros concorda com a expressão "bandido bom é bandido morto" -- o Datafolha chegou a anotar 57% em sondagem de 2016. No país que lidera o ranking de homicídios absolutos no mundo, executar marginais é uma ideia que floresce e ganha apoio de forma darwiniana, e a preocupação iluminista com os direitos humanos pouco seduz a parte atemorizada do eleitorado. Cabem então as questões práticas.

Caso o hipotético presidente Bolsonaro aprovasse no Congresso o tal excludente de ilicitude - o que seria façanha rara para um candidato de partido único que aprovou escassos dois projetos em seus 27 anos na câmara --, a "carta branca" automaticamente reforçaria o título de polícia mais letal do mundo, já ostentado pelo Brasil. Matar bandidos não nos tornou mais seguros. E a perspectiva se torna pior para qualquer cidadão quando se consideram os números recentes da saúde psicológica dos agentes de segurança.

Se concedida hoje, essa carta branca seria dada a corporações que convivem com números crescentes de transtornos psicológicos. O jornal Extra apurou que a PM do Rio concedeu, em 2017, 8.277 afastamentos para tratamento psiquiátrico --o que no limite representa um em cada cinco policiais dos 45 mil da força fluminense, se cada licença tiver sido dada a um PM diferente. Trata-se também de um aumento de 61% em relação às licenças dadas em 2015, e é de imaginar quantos nem se deram conta de que precisam de terapia. Em Minas, para dar outro exemplo, um a cada três policiais civis e um a cada quatro militares são afastados devido a problemas psicológicos, segundo dados dos sindicatos locais.






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